Pare , leia e divirta-se!
Olá a todos !
A primavera potencia a nossa disponibilidade para mergulharmos no universo da escrita, estimulando a nossa criatividade. Como tal, convido-vos a ler um conto da minha autoria, que apela ao desbravamento da opacidade da língua, para alguns alunos, já que no conto predominam vocábulos que lembram arcaísmos e expressões populares do nosso país.
TEXTO“Entre a primavera e os primos
…”
Num
lindo dia de primavera, o António Cebolas teve que ir ao moinho acompanhado
pela sua prima Dulcineia, a Estrondosa! O dia tinha amanhecido enevoado e não fora
a insistência da referida prima, ninguém o teria tirado da enxerga!
Assim, saiu da cama, calçou os socos e
vestiu as bragas pausadamente…era o primeiro dia daquela estação do ano.
Caminharam pela aldeia, passaram pelo Zé da Taberna que, invariavelmente, lhes
torceu a face macilenta e amarelada das bebedeiras contínuas. Mais à frente, esparramado
no chão e com os olhos esgrouviados, encontrava-se o Caprino, o cão da padeira!
- Ora muito bom dia, gritou o Zé, num
tom esganiçado, fazendo lembrar um cantor de ópera ultrapassado.
-Bom dia, também para vocês, grunhiu o Zé
da Taberna.
Dulcineia não dizia nada: era gaga
desde que tinha nascido!
O António Cebolas resolvera parar na
taberna, numa tentativa de espalhar o sono. Por isso, foi à cozinha e atirou-se
a um saleiro solteiro, já que as suas únicas amigas – as varejeiras – tinham
mergulhado num alguidar de vinagre, piscina negra, que deixara a perua viúva.
Já com algum sal num pedaço de
toucinho, pegou numa malga perdida no tempo, com dois pintinhos deslavados, notando-se
só o bico de um e bebeu duma só lambedela umas papas de sarrabulho,
acompanhadas do referido toucinho, enquanto emborcava bagaço de uma garrafa do tempo
do “arroz de quinze”. Sentou-se, num banco de madeira carcomida, que se
encontrava perto dele, e acabou “por passar pelas brasas”. Entretanto, Dulcineia
continuava a sua empresa: comia, comia e dali a instantes estaria pronta para a
jornada!
Decorridos uns quarenta minutos,
o Zé das Cebolas acordou, agoniado, e arrancou dali dizendo em alta voz:
-Socorro, socorro,
acudam aqui à gaga!
Isto,
porque a dita gaga provocara inaudita confusão na cozinha, fazendo com que o rei
lá do sítio, o cão, sem nome, tivesse sido destronado, e, agora, era ela que lambia,
desenfreadamente, os beiços, cobertos de papas de sarrabulho. Chamara-lhes “um
figo” e comera tudo e bebera o que se avizinhara, nunca fora esquisita.
Dulcineia lembrava uma bola de unto! Fazia sempre justiça ao seu apelido, a Estrondosa!
Depois de vários cafés apaziguadores de bebedeiras, os primos já “davam acordo”.
A manhã
esvoaçava por entre as ripas da cozinha, onde uma joaninha se alojara,
mostrando todo o seu corpo colorido numa desavergonhada languidez. Foi exatamente
nessa altura que o Zé resolveu continuar a sua jornada na companhia da prima,
que agora estava completamente pálida, dado o susto que tivera ao queimar--se
com as papas, já para não falar no facto de o Caprino lhe ter caído, repentinamente,
em cima. Continuaram na direção do moinho, lugar aprazível, principalmente, àquela
hora da manhã!
Paula Almeida
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